Desreconhecimento de créditos incobráveis não abrangidos pelo artigo 41.º do CIRC – consequências fiscais

A Ficha Doutrinária – Processo n.º 2014 002462, de 12 de maio de 2016, veio alterar o entendimento divulgado na anterior Ficha Doutrinária - Processo n.º 2013 001629, de 28 de janeiro de 2014, a qual versava sobre as consequências fiscais do desreconhecimento contabilístico de créditos incobráveis não abrangidos pelo artigo 41.º do Código do IRC.

1. Em que assentava o anterior entendimento divulgado na Ficha Doutrinária - Processo n.º 2013 001629?

O anterior entendimento divulgado pela Autoridade Tributária assentava na necessidade de se verificar uma das condições previstas no então parágrafo 30 (agora parágrafo 31) da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27 – Instrumentos Financeiros para que pudessem ser desreconhecidos, sem quaisquer consequências fiscais, os créditos de cobrança duvidosa, em mora há mais de 24 meses e com perda por imparidade reconhecida pelo valor total dos mesmos, considerados pelo sujeito passivo como créditos incobráveis mas não abrangidos pelo disposto no artigo 41.º do Código do IRC (CIRC).

Em termos gerais, a Autoridade Tributária entendia que, para que o “gasto” associado à incobrabilidade do crédito desreconhecido do balanço não constituísse uma componente positiva do lucro tributável era necessário que se verificassem, cumulativamente, os seguintes pressupostos:

  • Crédito em mora há mais de dois anos; e
  • Perda por imparidade reconhecida a 100%; e
  • Desreconhecimento motivado pela extinção do direito do credor [situação prevista na alínea a) do atual parágrafo 31 da NCRF 27], extinção essa que só se entendia verificada quando ocorresse uma das causas de extinção das obrigações, além do cumprimento, previstas no Código Civil (exemplo: dação em cumprimento; consignação em depósito; compensação; novação; remissão; e confusão).

2. Em que assenta o atual entendimento divulgado na  Ficha Doutrinária – Processo n.º 2014 002462?

Através da Ficha Doutrinária agora divulgada, a Autoridade Tributária dispõe que as condições identificadas no atual parágrafo 31 da NCRF 27 para o desreconhecimento de ativos financeiros não são aplicáveis aos créditos em questão - Créditos de cobrança duvidosa, em mora há mais de 24 meses e com perda por imparidade reconhecida pelo valor total dos mesmos, considerados pelo sujeito passivo como créditos incobráveis mas não abrangidos pelo disposto no artigo 41.º do Código do IRC.

Em suma, o fisco através desta Ficha Doutrinária entende agora que é permitido, também para efeitos fiscais, que, num cenário de imparidade total, seja removido do balanço e, portanto, desreconhecido, um crédito de cobrança duvidosa que esteja em mora há mais de 24 meses e sobre o qual tenha sido reconhecida (e aceite fiscalmente) uma perda por imparidade de valor igual ao do crédito.

Note-se que, conforme divulgado pela Autoridade Tributária, verifica-se um cenário de imparidade total “quando uma entidade, depois de ter efetuado as diligências de cobrança consideradas adequadas e reunir as provas disponíveis, concluir que já não existem expetativas razoáveis de recuperação de crédito”.

2.1. Documentação a integrar no processo de documentação fiscal (dossier fiscal) relativamente aos créditos desreconhecidos

O sujeito passivo deve integrar no processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do CIRC (dossier fiscal anual) informação individualizada relativa aos créditos desreconhecidos, a qual deve conter, nomeadamente, os seguintes elementos:

  • Identificação do cliente (nome, local da sede e NIF);
  • Identificação da fatura relativa a cada crédito de cobrança duvidosa (número, data e respetivo montante em dívida o qual não pode incluir o IVA liquidado quando o sujeito passivo tenha acionado o procedimento de regularização a seu favor previsto nos artigos 78.º-A e 78.º-B do Código do IVA);
  • Montante das perdas por imparidade contabilizadas, aceites e não aceites fiscalmente;
  • Indicação dos seguintes factos, quando e se ocorrerem:
    • Liquidação
    • Perdão de dívida
    • Sentença judicial
    • Cessão a título definitivo de créditos vencidos
    • Outros.

Adicionalmente, o sujeito passivo deve dispor dos comprovativos das diligências de cobrança efetuadas e dos respetivos resultados e de quaisquer outros elementos que atestem que já não existem expetativas razoáveis de recuperação do crédito.