Auditores e Revisores de Contas 2.0

QUE DESAFIOS E TENDÊNCIAS MARCARÃO A PROFISSÃO NOS PRÓXIMOS ANOS?
Gestores e sócios de empresas do setor referem ao Jornal Económico que a crise económica resultante da pandemia traz mudanças regulatórias, pressão nos 'stakeholders' e, consequemente, nos processos de auditoria.

LUÍS GASPAR  
 
Managing partner da Mazars em Portugal  
 
NOVOS MODELOS OPERACIONAIS  
 
Os primeiros meses do ano trouxeram consigo efeitos sem precedentes para profissionais, empresas, setor público e a sociedade como um todo. Como resposta a esta nova realidade, muitas organizações modificaram os seus formatos de trabalho e adotaram novos modelos operacionais para continuarem a desenvolver a sua atividade. Este momento excecional requer uma abordagem atualizada da auditoria, com base num conjunto específico de competências, supervisão e conhecimento necessários para garantir a sua adequação a este contexto. Os auditores não podem simplesmente insistir na entrega dos processos e respostas habituais aos seus clientes. Com as organizações a enfrentarem perturbações significativas, também os auditores vão necessitar de se adaptar para poderem responder a este desafio da melhor forma possível. Vê-se, assim, reforçada a necessidade de informação financeira e de auditorias de qualidade, as quais exigem uma necessidade de inovação quanto aos processos implementados, colocam uma pressão acrescida sobre o auditor e que seriam mais facilmente conseguidas com uma maior diversidade de players no mercado de auditoria. À medida que esta nova "normalidade" evolui, as organizações encontram-se a reconsiderar a sua forma convencional de operar. Do mesmo modo, a prática da auditoria precisa de acompanhar esta transformação para se manter relevante e responder a expectativas inesperadas, explorando de que modo dísponibilizar informação em tempo útil, otimizar recursos e identificar oportunidades de melhoria.  
 

VÍTOR RIBEIRINHO  

Vlce-presidente da KPMG Portugal  
 
CENTRALIZAÇÃO  
 
É cada vez mais um desafio olhar para o futuro e antecipar com rigor o que se vai passar no horizonte temporal que — muitas vezes não é aconselhável que vá para além de alguns meses ou no máximo um ano. Mas ainda assim parece-me que podemos aceitar que existe pelo menos uma realidade incontornável, ou seja, que o estado da nossa profissão nos próximos anos será diferente, substancialmente diferente, do estado atual. O futuro da profissão passa pela transformação das pessoas e por isso um novo perfil requer uma designação diferente. O nosso trabalho está, cada vez mais, suportado em sistemas de Data & Analytics, automação e Inteligência Artificial. Apesar da importância central actual e futura da tecnologia na nossa profissão, continuará a ser o auditor a tomar as decisões críticas e a assegurar a análise principal e insights numa auditoria de alta qualidade das demonstrações financeiras de uma entidade. Temos de continuar a preparar os nossos profissionais, para estarem aptos a exercerem os melhores julgamentos e aplicar o necessário cepticismo profissional.  
 
Prevemos que cada vez mais exista uma centralização e um reforço dos recursos das áreas técnicas e de controlo, funcionando desta forma com uma linha de defesa da qualidade do nosso trabalho. A implementação de um conjunto globalmente consistente de indicadores de qualidade da auditoria (Audit Quality Indicators), iniciativa que exemplarmente o nosso regulador a CMVM implementou, irá permitir monitorizar a qualidade global da nossa profissão e exigir que cada vez mais a qualidade e o rigor das auditorias seja vista com um conceito de tolerância zero.  
 

FÁTIMA GEADA  
 
Presidente da direção do IPAI  
 
READAPTAÇÃO DA AUDITORIA INTERNA  
 
"Para as guerras e epidemias nunca estamos preparados", mais uma vez esta frase de Albert Camus na obra "A Peste" concretizou-se e veio evidenciar-se como surpreendentemente verdadeira face à realidade atual.  
 
Ninguém poderia perspetivar que a vida de todos nós e a realidade económica poderia vir a ser tão drasticamente afetada por um evento exógeno ao sistema económico, social e político.  
 
Apesar de a grande maioria das empresas não estar preparada para o momento que estamos a viver, muitas dispõem de equipas seniores e processos bem estruturados de gestão de riscos, de controlo e auditoria interna. Os profissionais que atuam nessas áreas possuem grande experiência, seja pelo conhecimento específico da empresa, do sector em que se insere, da economia no seu todo. Neste momento disruptivo cabe-lhes atuar já não somente na prevenção mas na mitigação e controlo dos efeitos sistémicos da epidemia, podendo ser um precioso auxiliar na avaliação de quais os processos e controles que devem ser mantidos e observados, ainda com maior rigor, tendo uma visão critica sobre um sistema cujo nível de risco definitivamente se alterou, face ao posicionamento pré-covid. A auditoria interna teve também de se adaptar, num tempo record, e tem que continuar na senda dessa adaptação à realidade atual, assumindo um papel muito mais colaborativo e alinhado com as preocupações dos gestores e colaboradores, atuando de maneira ágil na deteção, orientação e correção de eventuais pontos chave de controlo mais frágeis. A temática das novas abordagens de auditoria, uso intensivo de tecnologia e técnicas de auditoria à distância e monitorização, já são uma realidade em algumas empresas, com o surgir da Covid-19 , as restrições de deslocações e o confinamento imposto, levaram a repensar as metodologias e o processo de auditoria e, de novo, a auditoria à distância surgiu como uma boa alternativa, colocando contudo enormes desafios: tecnológicos, de gestão de recursos humanos, de monitorização e de modelos operacionais.  
 

PEDRO MIGUEL MANSO

Sócio de Oliveira, Reis e Associados  
 
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO  
 
A atual situação pandémica, pelo seu surgimento inesperado, evidenciou a necessidade de preparação tecnológica das sociedades de auditoria no sentido de possibilitar o trabalho em equipa e com o cliente, por meios remotos. Ainda não se pode afirmar claramente qual o equilíbrio futuro entre trabalho remoto e contacto direto com o cliente, fundamental, mesmo com as limitações observadas nos últimos meses. Pode-se no entanto antever que as metodologias de trabalho e de modo de contacto com o cliente serão certamente ajustadas e as empresas de auditoria terão de ter capacidade de oferecer soluções neste sentido. Aumenta também o desafio do entendimento de sistemas de informação cada vez mais complexos, em cada organização.  
 
Noutra dimensão, é de referir que os próximos tempos aumentaram nível de incerteza, o que exigirá aos auditores maior capacidade de julgamento na aferição de estimativas contabilísticas formuladas pelas diversas entidades e na avaliação da capacidade das mesmas de manutenção da continuidade das suas operações. Serão ainda colocados novos desafios sobre o discernimento de qual a informação que é efetivamente relevante para os leitores da informação financeira.  
 
Por outro lado, no setor é crível que ocorram algumas concentrações de empresas de auditoria por força da contínua exigência de cada vez mais qualidade de trabalho e da necessidade de adaptação a estas novas realidades, em que nem todos terão capacidade de atingir.  
 
O mercado irá certamente contrair e provocar a redução de operadores habilitados a interagir no setor.  
 

VÍTOR SANTOS  
 
Partner da DFK  
 
REPENSAR MÉTODOS  
 
O confinamento obrigatório imposto pela Covid-19 interrompeu a maioria das profissões em todo o mundo e a de auditoria não foi exceção. Em meados de março a maioria das auditorias com referência ao exercício findo em 31 de dezembro de 2019 estavam em curso e o primeiro grande desafio foi, e ainda está a ser, a conclusão dos trabalhos de uma forma remota. Os trabalhos de auditoria são normalmente executados nas instalações dos clientes pelo que a continuidade dos mesmos ficou, nesta fase, mais dependente da capacidade de disponibilização de informação por parte do cliente, em formato digital, mais do que necessariamente das condições de acesso aos sistemas das próprias firmas de auditoria, cujos processos já eram efetuados, em grande parte, remotamente. A profissão de auditor já se encontrava num processo de transformação digital, acompanhando forçosamente a mesma necessidade originada na perspetiva do cliente, o que permitiu aos auditores um avanço significativo, traduzido no acesso aos sistemas, no incremento da comunicação via videoconferência e na focalização dos assuntos relevantes de auditoria. A crise económica que decorrerá da pandemia, ainda que com efeitos de grande incerteza, terá impactos diretos e indiretos nas entidades auditadas. Em ambientes de crise existem normalmente mais e maiores exigências regulamentares e uma maior pressão por parte dos stakeholders na resposta das auditorias. Estes impactos farão acrescer o risco e a responsabilidade dos auditores o que se traduz num enorme e imediato desafio para a profissão.  
 
Este contexto vem acelerar o caminho da mudança já há muito tempo anunciada na integração da tecnologia nos processos de auditoria e na implementação de novas ferramentas analíticas de trabalho que permitam análises mais abrangentes (menos dependentes de critérios de amostragem), realizadas em menos tempo, e com um maior enfoque nos contributos da auditoria quer para os clientes quer para os utilizadores dos relatórios de auditoria. Esta mudança irá determinar um novo perfil de auditores, com mais competências, maior autonomia e com uma forte preocupação na eficácia dos processos, o que permitirá também soluções mais equilibradas na gestão do "work life balance" nomeadamente na flexibilização do trabalho remoto. A implementação destas soluções obrigam as firmas e os profissionais de auditoria a repensarem os métodos de trabalho, as métricas de produtividade individuais e por equipas, com o pressuposto da manutenção da qualidade das auditorias, da criação de valor junto dos clientes e da defesa do interesse público.  
 

HUGO SAL  
 
CEO da Your Audit, Tax & Advisory  
 
AMBIENTE E CONTROLO  
 
A nossa profissão tem vivido nos últimos anos desafios constantes. O mais recente foi a tremenda e abrupta adoção da nova regulamentação europeia. Nos próximos tempos, tal como anteriormente, mas ainda com maior suporte, quero acreditar que as empresas vão interiorizar e perceber o verdadeiro conceito de ambiente de controlo e que um relato financeiro credível será um dos fatores críticos de sucesso para a sua sobrevivência, sustentabilidade e crescimento. E que, nesta base, os auditores são parceiros essenciais para as empresas e organizações. Recordar este ponto seria uma vitória.  
 

PAULO ANDRÉ  
 
Managing partner da Baker Tilly  
 
SISTEMA ROTATIVO  
 
Os responsáveis das empresas com quem normalmente interagimos continuaram a trabalhar, talvez até mais do que em períodos normais.  
 
Ainda assim, acompanhamos projetos em que o lay-off fez "desaparecer" o interlocutor ou o elemento da equipa de trabalho com que se estava a interagir. Isto atrasa e dificulta todo o processo de trabalho, causa atrasos e incrementa os custos. Temos pelo menos um caso, em que o nosso trabalho "obrigou" um cliente a retirar um seu colaborador do lay-off, para dar assistência e seguimento a um novo e urgente projeto. Por outro lado, devido às incertezas sobre o futuro provocadas pela crise sente-se, cada vez mais, o abrandamento das decisões sobre novos projetos, ou mesmo adiamento o ou cancelamento de novas iniciativas que se iriam enquadrar na nossa prestação de serviços. As empresas de consultoria há algum tempo que utilizam ferramentas avançadas de comunicação e de acessos remotos, permitindo trabalhar em qualquer lugar com mesma qualidade ou garantia. O que mudou ou irá mudar é certamente a disponibilidade por parte dos clientes, notamos que estão mais acessíveis para reuniões remotas e aceitam de bom grado o trabalho remoto, demonstrado confiança na equipa de consultoria.  
 
Esta questão pode ser vista como uma oportunidade para esta atividade devido à otimização de custos, o que permitirá sermos mais competitivos. Em termos organizacionais, observamos uma alteração generalizada da forma de trabalhar com uma aposta forte no teletrabalho e a implementação de modalidades de rotação presencial nos espaços de trabalho onde as empresas de consultoria desenvolvem a sua atividade. A questão primordial reside em procurarmos entender qual será o cenário ideal de organização de trabalho quando a crise pandémica passar. Embora vejamos inúmeras vantagens no teletrabalho (quer em termos de otimização dos custos, quer em termos de satisfação dos colaboradores), entendemos que a presença física das equipas no escritório contribui para o enriquecimento do conhecimento e experiência do colaborador. A nosso ver, a solução final passará certamente por um sistema rotativo cujo lay out final será um mix do "velho" com o "novo" normal.  
 

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