2022 trará desafios estruturantes e de recursos humanos

Qual será o grande desafio da auditoria e revisão oficial de contas em 2022?
Num ano que se esperava já de regresso à normalidade, a persistência da Covid-19 obrigou o sector da auditoria e revisão de contas a continuar a adaptar-se e a laborar apesar das restrições, com todos os desafios subjacentes para as firmas da área e para os seus clientes. Para 2022 volta a haver a expectativa de retorno à normalidade, dando continuidade aos progressos acelerados pela pandemia.

O grande desafio da auditoria e revisão oficial de contas em 2022 e nos próximos anos será atrair e reter o talento que permita dar o contributo que a sociedade espera dos auditores. Os auditores servem o interesse público e continuarão a ser um pilar fundamental na confiança não apenas do mercado de capitais mas de forma cada vez mais vasta, na forma como o tecido empresarial impacta a sociedade nas vertentes financeira, ambiental, social e de governo. Para tal é fundamental que os diversos intervenientes, tecido empresarial, universidades, auditores e reguladores unam esforços no sentido de valorizar o capital que melhor serve a profissão que é a Confiança.

Adicionalmente, a capacidade de investimento e atratividade da profissão estão intimamente ligadas com a valorização que o ecossistema económico atribui à informação que produz e divulga ao longo da sua cadeia de valor e à forma como pretendemos ser vistos pelos nossos parceiros europeus e mundiais. A este propósito, saliento o desafio de inverter a competição baseada no preço, conforme demonstra o último Audit Fees Survey divulgado pelo IFAC que coloca Portugal na cauda da Europa, com uma proporção de honorários de auditoria face aos total de proveitos das empresas auditadas de metade dos nossos vizinhos espanhóis e divergindo de forma vincada da média da União Europeia, que espero que à semelhança das lições aprendidas noutras indústrias, não seja um fator comprometedor do desenvolvimento do sector e da profissão critica, que deverá ter um papel crucial na dinamização e credibilização da nossa economia nos mercados internacionais.

Desta forma, a KPMG faz votos que o ano 2022 seja um ano em que damos início a um ciclo de crescimento e convergência acelerada, beneficiando de políticas públicas estáveis e previsíveis e melhorando as práticas de gestão da nossa economia, assente em vantagens competitivas essenciais no futuro como são os casos da sustentabilidade e da competitividade digital onde ocupamos atualmente o 16o e 34o lugares dos respetivos rankings.

Estou certo que nós, auditores, seremos agentes da melhoria da competividade, formando os nossos jovens, que continuarão a privilegiar a profissão, nas suas opções de carreira, tendo a capacidade de potenciar a necessária transformação digital, promover investimentos sustentáveis e de valor acrescentado.

O desafio da auditoria e revisão oficial de contas é constante, sobretudo num contexto de elevada incerteza económica em diversos planos, de transformação digital e necessidade de ajustamento constante dos próprios modelos de negócio. Todos estes fatores obrigam a que a metodologia de auditoria evolua no sentido de assegurar que os riscos associados ao processo de auditoria sejam corretamente endereçados. Olhando desta perspetiva, em 2022, a auditoria e revisão legal de contas continuará a ser confrontada com a necessidade de garantir que os riscos associados ao going concern, estimativas contabilísticas e ambiente dos sistemas de informação, estão devidamente mapeados e, consequentemente, que a abordagem de auditoria definida irá permitir concluir de forma adequada sobre estas matérias.

Ainda que a pergunta seja direcionada para um exercício económico em específico, não podemos deixar de salientar que o grande desafio da auditoria e revisão oficial de contas é muito mais estruturante do que aquilo que pode ser o desafio associado a cada exercício económico, e nesse sentido é necessário olhar a médio e longo prazo para as mudanças que são necessárias despoletar para que seja possível acompanhar as mudanças que estão a ocorrer no ambiente em que atuamos, que são os nossos clientes e todos os utilizadores de informação financeira. Tudo isto implica continuar a investir no desenvolvimento da metodologia no plano teórico e no plano operacional, com uma clara necessidade de incorporar tecnologia que permitam dar resposta adequada aos desafios atuais.

Os auditores enfrentam vários desafios:

- Cash flow para investir: necessidade de forte investimento (em tecnologia, em formação, em recrutamento, na retenção de talento)

- Formação: necessidade de formação nas áreas de informática, digital e data anlytics (big data e artificial intelligence);

- Crescimento profissional: a adoção do teletrabalho parcial por parte de alguns clientes, impõe aos auditores algum trabalho também neste regime, o qual é prejudica o desenvolvimento de carreira e processo de aprendizagem dos jovens profissionais de auditoria, em aspetos técnicos e em particular nos seus soft-skills – recorde-se que a maioria dos auditores tem claramente menos de 30 anos, período em que todos temos menos autonomia e onde a taxa marginal de aprendizagem é maior);

- Diversidade de conhecimentos: necessidade de recrutar pessoas com outras áreas de especialização (informática, ambiente, governance, compliance, controlo interno);

- Notas técnicas de supervisão: aprender e implementar novas técnicas de supervisão de trabalhos e equipas (supervisionar colegas lado a lado no escritório ou nos clientes, não é o mesmo que supervisionar uma equipa dispersa em teletrabalho);

- Cultura e valores: investir na cultura da organização e nos valores da profissão; - Auditorias em ambientes desmaterializados: aprender novas técnicas de auditar, de recolher informação e de comunicar com o cliente (muitas organizações, começam a ter os seus processos em regime de multi-site: as cobranças estão na Polónia; a tesouraria na Índia; as receitas nos USA, a contabilidade em Portugal, os salários no Brasil); - Contratar e reter (as áreas de tecnologia e de novos negócios em fase de start up, manifestam-se muito mais apelativos aos jovens, face à carreira tradicional de auditoria);

- Maior diversidade de informação a auditar, obriga a uma estratégia de multidisciplinariedade com recursos especializados em diferentes áreas (maior detalhe nos disclosures e novas áreas de divulgação, nomeadamente ESG);

- Self-development profissional contínuo e acelerado (o auditor opina sobre temas contabilísticos, fiscais, financeiros e de governance, mas cada vez mais tem que fazer interpretações e julgamentos profissionais sobre temas de natureza jurídica, laboral, contratual, informática, ambiental, entre outros. O esforço e tempo despendido na sua auto-formação e atualização profissional, constitui um dos maiores desafios.

- Dimensão: Ganhar dimensão é crítico para as pequenas sociedades de auditoria. Fusões e aquisições são a única solução para os enormes desafios mencionados acima. A dimensão traz reforço técnico e maior diversidade de recursos, capacidade de resposta em vários países, bem como uma mais eficiente partilha do esforço de investimento necessário efetuar;

- Ajustar honorários. É premente a necessidade de os ajustar face aos elevados níveis de investimento previstos, à maior especialização e senioridade das equipas para analisar informação mais diversa e complexa e acomodar o maior envolvimento das equipas e dos tempos de execução dos trabalhos a realizar, para cobrir as responsabilidades crescentes, assumidas pelos auditores.

De acordo com o relatório da CMVM referente aos resultados globais do sistema de controlo de qualidade da auditoria do período de 2020/2021, as 6 maiores empresas de auditoria a operar em Portugal representaram em 2020 cerca de 75% do total do volume de negócios de auditoria. Esta concentração dos honorários tem representado um forte entrave nas perspetivas de crescimento das SROC de menor dimensão e no surgimento de novas empresas que pretendam disputar uma fatia do mercado de auditoria.

A responsabilidade dos auditores tem vindo a aumentar de forma significativa. O constante aumento de procedimentos a efetuar sem que exista um correspondente aumento dos honorários tem amarrado as SROC de menor dimensão a margens cada vez mais espremidas, fruto da falta de capacidade negocial junto dos seus clientes-tipo que atuam numa postura constante de corte de custos.

Nos últimos 2 anos, assistiu-se também a uma crescente dificuldade no recrutamento de novos auditores, sendo um indício já evidenciado nos relatórios da CMVM, que revelam um crescimento praticamente nulo do número de ROC e SROC, e que pode representar um certo desinteresse pela profissão por parte dos jovens.

A necessidade de reforço dos quadros de auditoria e revisão de contas não resultou do aumento do número de clientes, mas sim na constante saída de colaboradores para auditoras das BIG 6 que oferecem condições com as quais é muito difícil concorrer.

As SROC de menor dimensão debatem-se com um grande desafio para 2022 que é a manutenção dos seus quadros e a angariação de novos auditores num mercado de trabalho dominado pelas grandes empresas de auditoria. Não podendo competir em termos salariais, estas empresas deverão investir na captação de novos talentos e na formação sistemática e contínua das equipas de auditoria. É necessário traçar planos de carreira bem estruturados, com objetivos a atingir e com recompensas aliciantes e passar a mensagem aos colaboradores que as suas ambições na profissão podem também materializar-se em empresas de menor projeção.

Adicionalmente, é necessário reforçar a organização interna e melhorar os índices de produtividade. Não descurando a necessária qualidade do trabalho de auditoria, deve otimizar-se a eficiência e desmistificar o binómio custo/benefício. Neste capítulo, o papel das novas tecnologias pode ser determinante, pelo que as dificuldades de recrutamento podem também ser combativas com o recurso a ferramentas que potenciem o trabalho dos auditores, conferindo-lhe um poder de análise superior e uma maior rapidez na obtenção de resultados.

Sem pessoas não pode haver SROC ou auditoria. Ainda que a inteligência artificial contribua para a obtenção de resultados, o fator humano continua a ser preponderante na análise dos dados e, acima de tudo, na relação com o cliente.

Neste contexto atual, a Auditoria Interna tem necessariamente de efetuar um esforço adicional e coletivo para conseguir acompanhar o ritmo das mudanças e os modelos de governo das sociedades e instituições, bem como os reguladores têm um papel fulcral para assegurarem que a Auditoria possa ser chamada a assegurar contributos significativos para a gestão estratégica, de riscos e adaptação às alterações legislativas, regulatórias e de compliance.

Os desafios colocados atualmente à Auditoria Interna passam por acompanhar as alterações permanentes ocorridas em termos de regulamentação, organizacionais, de sistemas de informação e permitir a utilização de metodologias mais eficazes com apelo a técnicas de monitorização e de auditoria contínua e de auditoria à distância. A auditoria interna para ser mais eficaz precisa de desenvolver competências cada vez mais específicas, articulando essa atuação com a crescente escassez de recursos com que as organizações se debatem.

Esses desafios implicam reequacionar a Auditoria num contexto muito dinâmico e onde a função deverá estar devidamente regulamentada referenciada e estruturada

Quando questionarmos que Auditoria queremos ter no futuro que responda a todos estes desafios?

A Auditoria Interna tem que ser vista como geradora de valor para as organizações, ela não pode mais ser considerada como um custo, mas um investimento na melhoria dos processos, na eficiência, na segurança e na mitigação de eventuais custos do contexto e da gestão/mitigação das vertentes de risco mais importantes para a organização, podendo mesmo assumir-se como um consultor “de confiança”, que conhece a organização, a sua cultura, os seus processos e que pode potenciar a forma como os recursos estão a ser empregues.

Esta profissão tem um grande potencial de crescimento e para tal, precisamos de lideranças exigentes e criativas e cada vez mais e melhor formação académica e profissional. A Auditoria Interna, dado o contexto atual e o escrutínio a que as organizações estão sujeitas, está perante um grande desafio e uma grande oportunidade, que lhe permitirá contribuir mais proficuamente para criar valor para as organizações e também para a sociedade. As vertentes chave reveladas como fundamentais na tendência de evolução da Auditoria podemos apontar as seguintes:

l estatuto da função – empowerment da função, que depende da forma como a função é percecionada no seio da organização;

l como é utilizada a função, qual a tipologia de Auditorias a pedido do órgão de administração;

l a quem reporta – do ponto de vista hierárquico/administrativo e funcional, em linha com o que é recomendado pelo IIA, ao mais alto nível na organização, de modo a garantir a sua independência e eficácia;

l foco da atividade nas áreas de maior risco, alinhamento com as preocupações do negócio;

l a responsabilidade do Auditor e o impacto real do seu trabalho – necessidade de ajustar o plano às expectativas dos stakeholders, adequar a gestão de risco aos desafios tecnológicos existentes, implica desenvolver novas competências nos auditores, desde tecnológicos, de comunicação, resistência ao stress e acima de tudo comportamentos fundamentados em princípios éticos (honestidade, coragem, responsabilidade, credibilidade, respeitabilidade e proatividade);

l possibilitar uma atuação de efetividade e de garantia no acompanhamento dos vetores do negócio de maior risco;

l proficiência com a utilização de ferramentas de data mining, recorrendo a metodologias e instrumentos de tratamento analítico de dados, que potenciem a eficácia da sua atuação.

O papel do Auditor vai-se colocar não só nos aspetos quantitativos, financeiros e de processos, mas também qualitativos, com uma visão mais holística, integral mas mantendo como preocupação fulcral e mais significativa os aspetos da conduta e da ética, na perspetiva de corresponder ao que a sociedade requer cada vez mais da sua atuação.

Ao IPAI enquanto Associação Profissional compete continuar na senda do reconhecimento da Profissão e na partilha do conhecimento entre profissionais e se “todas as longas viagens começam com um primeiro passo”, também o trabalho que temos pela frente em vários setores de atividade, como a saúde e os municípios têm ainda um longo caminho a percorrer.

InO Jornal Económico

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