Tecnologia ajuda a cumprir requisitos de ‘compliance’

Em Portugal, 41% das empresas de contabilidade utilizam soluções na ‘cloud’ mas ainda é apenas para faturar e não como ferramenta de trabalho diário. Empresas de software antecipam aumento na procura.

A maioria dos profissionais de compliance de contabilidade e fiscalidade planeia reforçar o investimento em tecnologia, especialmente inteligência artificial, e na formação técnica e teórica para cumprir os requisitos regulatórios, que anteveem como cada vez mais complexos. A conclusão é de um estudo global da consultora Mazars, no qual 51% dos mais de 890 inquiridos revelou esperar maior dificuldade em executar as exigências legislativas e regulamentares nas áreas fiscal e de contas das suas empresas, pelo que precisarão de sistemas tecnológicos para auxiliar Uma percentagem superior a 40% indicou que a nova tecnologia de compliance contabilística e fiscal será um dos drivers mais significativos para melhorar a performance nas suas funções nos próximos cinco anos, de acordo com o “Unlocking trust: why global compliance is on the business agenda”. Porém, o entanto, a falta de conhecimento e competências na sua equipa é prejudicial, tendo em conta que consideram que é grande obstáculo para que se alcancem os objetivos de compliance, conclui o relatório que envolveu multinacionais de 25 países.

Em Portugal, os dados mais recentes dão conta de que 41% das empresas de contabilidade já utilizam soluções de armazenamento de dados na nuvem (cloud), segundo um estudo da consultora Gfk que envolveu 300 escritórios sediados em Portugal continental, entre 29 de agosto e 30 de setembro.

Apesar de o uso que fazem desta tecnologia ainda ser apenas para faturar e não como ferramenta de trabalho diária, David Afonso, vice-presidente sénior da Primavera BSS, garante, sem detalhar valores, que está a sentir-se um aumento da procura por soluções de arquivo digital. “Nos últimos anos, os escritórios de contabilidade têm aproveitado bastante bem as oportunidades oferecidas pela digitalização de um conjunto significativo de transações comerciais, como as vendas, através do SAF-T, e documentos de compra, disponíveis na plataforma e-fatura. De tal forma que muitos deles transformaram de forma significativa os processos de lançamento contabilístico, tendo hoje um nível de automação muito elevado. A pandemia despertou a consciência de que a transformação digital não é opcional”, afiança, em entrevista ao Jornal Económico (JE).

O trabalho da Gkf revelou também que a maioria (80%) dos contactos dos contabilistas com os seus clientes ainda é presenciais, o que torna evidente que ainda há um caminho a trilhar no digital para estes profissionais. “Uma boa parte do trabalho do contabilista está automatizada ou em vias de o ser. A cloud derrubou paredes e abriu espaço à colaboração. Acredito que a evolução se dará pelo aprofundamento do modelo de colaboração e uma nova dinâmica de trabalho, quebrando os muros que separavam empresários e contabilistas, ligando-os através de uma plataforma colaborativa que promove a produtividade e a sustentabilidade”, explica David Afonso, acrescentando que, com a automatização de tarefas, esta empresa de tecnologia – que em junho foi comprada pelo fundo britânico Oakley Capital – acredita que esta é “ grande oportunidade de os contabilistas colocarem todo o seu know-how ao serviço da gestão” e disponibilizar serviços que tragam valor acrescentado.

A fornecedora de softwares Sage, que no mercado português tem mais de 60 mil clientes, lançou há exatamente quatro anos o sistema “Sage for Accountants”, uma solução digital desenhada por e para contabilista e gabinetes de contabilidade. Ao longo deste tempo, o grupo britânico denotou que o perfil do contabilista mudou e as exigências dos empresários também.

Contabilista do futuro é técnico de contas e consultor

“O contabilista tem vindo a adotar um perfil de consultor nas diversas áreas de apoio ao negócio, dado que, as suas tarefas mais tradicionais passam a ser, em grande parte, automatizadas. Para acompanhar os ventos da mudança, que são sempre benéficos para qualquer negócio e economia, teve oportunidade de potenciar as suas competências e, desde logo, focar-se mais na interpretação da informação contabilística e de gestão financeira e com estes dados, auxiliar os clientes a tomarem decisões no contexto do seu negócio”, defende Ana Teresa Ribeiro, diretora da unidade de negócio de Contabilistas e PME da Sage Portugal. Na sua opinião, estas são aliás as principais características do contabilista do futuro, que desempenha também um papel de consultor e não só de técnico de contas. “É um novo retrato da profissão que acrescenta valor e ajuda as empresas a adaptarem-se com sucesso aos desafios do mercado e a serem mais competitivas”, assegura a especialista ao JE. Em plena pandemia, impelida pelo avanço tecnológico forçado das empresas, a Sage avançou para o o Arquivo Digital Cloud, um add-on que permite arquivar documentos na cloud e automatizar lançamentos contabilísticos, para que os gabinetes se tornem mais eficientes nos processos de trabalho diários.

A empresa portuguesa Central-Gest, comprada em outubro pelo grupo francês Isagri, desenvolve software para o sector da contabilidade há 34 anos e garante que o processo de digitalização neste sector está em marcha há vários anos, sobretudo nos gabinetes de média e grande dimensão, porque veem a vantagem da execução de tarefas automatizadas e multiempresa para o aumento de produtividade e libertação de tempo dos recursos humanos. O que está a acontecer de novo é os contabilistas estarem mais predispostos à mudança. “Têm consciência de que a transformação digital veio para ficar e quem estiver na frente assegura uma vantagem competitiva no mercado da contabilidade”, garante ao JE o diretor geral da tecnológica com sede na Mealhada. Tiago Ribeiro destaca que a digitalização “inclui inúmeros tipos de processos de automatização, integração e processamento com inteligência artificial que substituem o contabilista, permitindo que tarefas manuais e repetitivas sejam eliminadas e substituídas por robôs”, mas salvaguarda que o profissional da contabilidade ainda não está livre do processo de validação dos registos e das declarações legais e fiscais”.

O gestor enumera algumas operações às quais se pode incorporar inteligência artificial para acelerar como a contabilidade: o registo contabilístico das vendas através do SAF-T PT, a automatização dos lançamentos de compras com base na informação existente no portal e-fatura, a importação de movimentos bancários em tempo real com registo contabilístico e conciliação bancária automática, a leitura dos documentos digitalizados com a tecnologia de OCR [Optical Character Recognition], a retração da documentação fiscal e legal dos portais de entidades oficias ou a automatização. “Atualmente, as empresas de contabilidade de média e grande dimensão procuram soluções híbridas de software de contabilidade (cloud privada), gostam de garantir o máximo de produtividade com as soluções Windows com dezenas de anos de aperfeiçoamento, mas também pretendem uma solução web online que lhes permita o acesso em qualquer parte e que incorporem soluções colaborativas com os seus clientes”, conta Tiago Ribeiro, cuja empresa faturou 1,5 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, dos quais 650 mil euros para o sector da contabilidade.

“A profissão de contabilista foi uma das que mais desafios enfrentou com a Covid-19. Eram necessárias agilidade e eficácia na adaptação a todas as novas questões legais que surgiram (lay-offs, alterações laborais e legais...) e tiveram de se moldar a um novo tipo de relacionamento com os seus clientes, mais digital, o para um sector tradicional e suportado pela base documental, parecia um desafio quase impossível de ser superado. Mas os contabilistas reinventaram-se com sucesso e, mesmo de modo apressado devido à pandemia, deram início a uma nova era da contabilidade que veio para ficar”, conclui Ana Teresa Ribeiro. 

InJornal Económico