Robotização e blockchain são as bases na era da informação

Com técnicas de recolha de dados cada vez mais eficientes, a auditoria e revisão de contas depende de tecnologias de análise e cibersegurança robustas que confiram confiança aos clientes, ao mesmo tempo que os profissionais procuram manter-se atualizados num ambiente de rápida evolução.

As empresas ligadas às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) estão a sentir o impacto da pandemia a ritmos diferentes, mas há um ponto homogéneo que une o setor: estarem a ser o principal propulsor da inevitável transição digital em Portugal, quer disponibilizando tecnologia e aconselhamento em inovação quer reforçando infraestruturas e redes para o boom das ligações à internet verificado com o confinamento. Apesar de a generalidade dos players apontar que houve um abrandamento do ritmo de crescimento, a maioria mostra-se otimista perante a consolidação e avanço do processo de digitalização.

Outrora uma atividade de baixa intensidade tecnológica, a auditoria e revisão de contas vinha experienciando uma tendência de crescente digitalização e recurso a ferramentas inovadoras e disruptivas já antes da chegada da pandemia. Com a Covid-19, e à semelhança de muitas outras áreas, esta tendência massificou-se e atingiu outros aspetos da profissão, mas as grandes transformações e ganhos virão, sobretudo, da análise de dados, robotização e maior segurança que conferem as novas tecnologias ao serviço do sector.

A transformação digital em curso no sector vinha sendo estimulada, por um lado, por uma necessidade crescente de cumprir com uma regulamentação progressivamente mais apertada e abrangente, e, por outro lado, por clientes com necessidades cada vez mais específicas e um nível de exigência sempre maior. Este fenómeno confere maior eficiência aos auditores e revisores de contas e permite que estes libertem tempo e recursos para tarefas intrinsecamente humanas, além do refinamento das tecnologias utilizadas, mas cria também preocupações novas como a cibersegurança e obrigam os profissionais do sector a atualizar as suas competências em áreas anteriormente distantes do seu quotidiano.

Olhando para o passado mais recente, a faceta mais óbvia da crescente adoção das tecnologias da informação em auditoria e revisão de contas prende-se com a capacidade que o sector demonstrou em manter a atividade apesar das restrições pandémicas às deslocações e contactos. Esta resistência assentou sobretudo em ferramentas de comunicação que conheceram uma massificação no último ano e meio na generalidade dos negócios, mas, olhando para a área como um todo, Rui Duarte, Assurance Partner da PwC, considera mesmo que “a forma como executamos uma auditoria evoluiu ao longo dos últimos anos.”

“O modo como interagimos com as empresas, como obtemos a informação, como comunicamos tem vindo a evoluir. Um bom exemplo dessa evolução tem sido o último ano e meio, em período de pandemia, em que todos nós, empresas e auditores, conseguimos, com recurso à tecnologia e desmaterialização da informação, continuar com as nossas operações e executar a auditoria, de forma remota, ultrapassando os desafios que foram surgindo.”

Além da proliferação de plataformas como o Teams ou o Zoom, as características particulares da auditoria obrigaram ao recurso a um conjunto de outros instrumentos de reporte ou contagem de inventários, por exemplo, começa por ilustrar Paulo André, managing partner da Baker Tilly.

“A tecnologia tem estado cada vez mais presente na profissão, sendo várias as plataformas e ferramentas utilizadas”, afirma, continuando: “Os avanços tecnológicos prometem ser interessantes. [Surgiram] Novas formas de fazer contagens de inventários, utilizando drones, sistemas de videovigilância, apps que as equipas de armazém dos clientes podem incluir nos seus telemóveis, sistemas de leitura de QR codes, etc.”

Assim, a área de auditoria, à semelhança de tantas outras, vive numa fase de “tsunami de dados”, como apelida Paulo Paixão, Head of Audit da KPMG, pelo que são necessárias as ferramentas adequadas para, além de recolher, processar e analisar esta informação. Como tal, é expectável “que o mercado em geral adote de forma massiva soluções de armazenamento e computação na cloud, smart analytics, incluindo soluções de extração, transformação e visualização de dados, bem como soluções de inteligência artificial que incluam machine learning e processamento de linguagem natural”, projeta o responsável da KPMG.

É aqui que residem os maiores ganhos de eficiência e os avanços tecnológicos mais relevantes para a área, explica Paulo André, visto que “a auditoria deixou de estar assente em amostras baseadas em critérios judgemental e non-mathematical, para a análise de amostras estatísticas, nas quais todos os itens têm efetiva probabilidade de serem selecionados para análise”.

O responsável da Baker Tilly exemplifica com ferramentas “de auditoria de metodologia e documentação informatizada que incorporam questionários e análises automatizadas e que, de acordo com inputs preliminares, afinam e redesenham testes, indagações e análises a efetuar” ou “de inteligência artificial que, a partir do SFT-T (Faturação e Contabilidade), sistematizam a informação por natureza e com determinados padrões, correlacionando rubricas e preparando relatórios standard, cuja análise permite identificar variações estranhas, itens não recorrentes, desvios a tendências, correlações não lógicas, etc.”

Rui Lourenço Helena, Senior Partner e Head of Audit da BDO, menciona ainda dimensões como a inteligência artificial, de modo mais abrangente, que “irá permitir a substituição progressiva dos procedimentos de auditoria ‘tradicionais’, baseados em revisões analíticas e amostragens, por procedimentos/ferramentas em que poderão ser analisadas 100% das bases de dados, contribuindo significativamente para diminuir o risco e aumentar a segurança da informação financeira”.

“Na prática, os trabalhos ‘rotineiros’ de auditoria e revisão poderão ser assegurados por essas ferramentas, ficando para o elemento humano tarefas mais nobres como o julgamento profissional e a formação da opinião”, resume.

Simultaneamente, esta capacidade de processamento de dados leva o sector mais longe, permitindo-lhe dar “um salto qualitativo muito significativo ao nível da análise que é possível realizar aos dados existentes”, visto que confere as ferramentas para “capturar, tratar e analisar um conjunto cada vez maior de dados, de forma que não seria humanamente possível há 10 anos atrás”, segundo Rui Duarte, da PwC.

Isto significa uma alteração fundamental na atividade, que mudou “o foco de uma visão retrospetiva para uma visão prospetiva, permitindo insights mais profundos para os clientes e uma narrativa enriquecida sobre o desempenho corporativo e sua sustentabilidade para o futuro”, argumenta ainda Paulo André.

O feedback dos clientes até agora tem sido positivo. Estes reconhecem os ganhos de eficiência e capacidade que conferem estas novas ferramentas e métodos, algo que as próprias sociedades de auditoria e revisão de contas vão auferindo através de estudos junto das empresas que recorrem aos seus serviços.

Ivo Morais, Audit & Assurance Manager da Mazars, é dessa mesma opinião e apoia-se nas “cerca de 96% das empresas entrevistadas no estudo da Mazars ‘O futuro da auditoria: visão de mercado – mitos, realidades e caminhos a seguir’ que afirmam ser favoráveis ao uso de novas tecnologias de auditoria pelos auditores”.

Já Paulo Paixão, Head of Audit da KPMG, revela que “os resultados do survey efetuado pela KPMG, em parceria com a Forbes Insights, demonstram que 98% dos gestores financeiros que participaram no estudo afirmam que os auditores externos utilizam tecnologia avançada nos seus processos de auditoria e que as mesmas melhoraram de forma significativa a qualidade da auditoria”.

“Adicionalmente, 58% entendem que o desenvolvimento tecnológico dos auditores externos tem sido superior às suas equipas financeiras internas, face a apenas 8% que acreditam que a sua adoção interna é mais avançada”, completa, o que ilustra bem o ritmo e extensão da transformação em curso no sector.

Mas nem só de vantagens claras e evidentes se faz um processo desta envergadura. Uma mudança tão profunda de paradigma obriga também a uma atualização de competências dos seus profissionais, sendo que muitos iniciaram a sua atividade numa altura em que a tecnologia não era de todo uma dimensão dominante do trabalho de um auditor ou revisor oficial de contas.

Se, por um lado, estas plataformas e técnicas inovadoras não poderão, por si só, substituir o trabalho dos profissionais do sector, mas antes complementá-lo, por outro há que lembrar que as mesmas se tornam pouco relevantes quando não acompanhadas do conhecimento necessário para as aproveitar convenientemente.

Ivo Morais argumenta que “a capacidade de integrar novas tecnologias na sua prática tornou-se um critério-chave para selecionar uma empresa de auditoria, mas as competências dos auditores são ainda mais importantes: o conhecimento do negócio, a capacidade de compreender o ambiente da empresa, a estabilidade das equipas envolvidas e a qualidade consistente do serviço prestado são todos critérios a que o cliente confere ainda mais relevância”.

Assim, “a tecnologia emerge como um investimento que as organizações precisam de fazer, mas que deve ser realizado em simultâneo com planos de desenvolvimento das pessoas, para garantir conhecimento e competências críticas”, completa.

Reconhecendo que em níveis tecnicamente menos exigente do trabalho de auditoria e revisão de contas, as tarefas podem ser substituídas facilmente por tecnologia, Paulo André considera que a “experiência e conhecimento de negócio, julgamento profissional e ceticismo, bem como habilidades de comunicação, recolha e análise de conclusões finais, continuam a ser capacidades difíceis de encontrar num recurso não humano”. Portanto, a “combinação necessária será uma mistura entre capital humano (conhecimentos técnicos core, soft skills e valores) e a tecnologia (através da incorporação de ferramentas e especialistas em tecnologia, em análise de dados - big data e inteligência artificial)”, sublinhando o caráter complementar que têm de ter estas ferramentas no sector.

Outro desafio que surge com a transição digital está relacionado com a segurança. Esta dimensão ganha uma relevância especial numa atividade que lida diariamente com informação confidencial e sensível, como é o caso da auditoria e revisão de contas, e ditará uma das tendências identificadas pelos vários especialistas ouvidos pelo JE nesta matéria nos próximos tempos: a crescente importância de soluções blockchain.

A necessidade de segurança no mundo virtual é cada vez mais notória, perante a sofisticação das técnicas utilizadas por hackers e a quantidade de informação gerada atualmente. Isso mesmo manifestam os diretores executivos e responsáveis pelas grandes empresas mundiais, algo que a KPMG aferiu no seu CEO Outlook 2021. Paulo Paixão revela que “os riscos de cibersegurança surgem como principal preocupação dos executivos de topo auscultados no ‘KPMG CEO Outlook 2021’, ao contrário do sentimento manifestado em 2020, onde ocupava o quarto lugar no ranking dos riscos identificados”.

Muitas vezes associada a novos ativos financeiros digitais cuja popularidade disparou nos últimos anos, a blockchain encontra na cibersegurança a sua principal vantagem competitiva e característica. É, portanto, natural que áreas de serviços crescentemente digitalizados recorram e confiem em plataformas assentes neste tipo de redes de bases de dados, com esta tendência a aprofundar-se no futuro e tornando-se mesmo num dos principais aspetos da revolução tecnológica que vive o sector, perspetivam Rui Lourenço Helena, da BDO, e Rui Duarte, da PwC.

As novidades do sector não se deverão, no entanto, esgotar aí. Paulo André relembra a maior exigência no reporte, nomeadamente a “imposta pelos normativos contabilísticos, reguladores e utilizadores das demonstrações financeiras, bem como a maior diversidade da sua natureza – como é o caso do Reporting ESG [Governança, Ambiente e Sustentabilidade] ” para perspetivar o surgimento de “novas ferramentas de recolha e interface de informação operacional e financeira”.

“Agora já não são apenas os dados financeiros que contam. Indicadores qualitativos e quantitativos de ESG são já muitas vezes escrutinados com maior profundidade. Novas ferramentas estão sendo lançadas para sistematizar várias fases de um processo de auditoria, nomeadamente Audit Planning, Compliance Management, Risk Assessment, Task Management e Reporting”, especifica.

De resto, a outra grande transformação económica em curso, a ambiental, implicará também ajustes e novas técnicas na área de auditoria. Com a necessidade de demonstrarem um alinhamento com os princípios ESG, as empresas terão de ser igualmente auditadas nestas dimensões, o que constitui um novo desafio não só para os profissionais, como até mesmo para as tecnologias que têm sido desenvolvidas no passado recente.

Explica Paulo Paixão, Head of Audit da KPMG, as métricas associadas aos princípios ambientais, de sustentabilidade e governança apresentam ainda uma “maturidade em termos de sistemas e processos significativamente menor [do que] os dados financeiros”, o que se traduz num “desafio que exige a capacitação dos auditores para os riscos informáticos, mas também das empresas que, privilegiando a agilidade tecnológica, incorporam riscos cuja capacidade de compreensão e mitigação se revela ainda bastante limitada”.

Tal como os critérios ESG passarão a fazer parte do quotidiano destas áreas, Paulo André sugere que outras se poderão seguir. A “auditoria de sistemas de informação para a emissão de certificações poderão estar a caminho”, por exemplo; os “sistemas informáticos auditados e certificados (por auditores informáticos certificados e registados) são uma maior segurança de que os registos contabilísticos não incluem erros ou omissões”. Este é um momento de grandes e profundas alterações no sector, que se refletirão igualmente na maior incorporação de “auditores informáticos que desenham e realizam testes de auditoria informática, sob instruções do auditor que assinará a opinião de auditoria”, continua.

Todo este ambiente será um desafio pela possibilidade de “desintermediação de firmas de auditoria por outros parceiros tecnológicos, que poderão ser considerados ameaças potenciais”, argumenta o Managing Partner da Baker Tilly. Assim, e para que o que começou por ser uma grande oportunidade de progresso não coloque em risco o sector, importa que as firmas se mantenham “vigilantes”, aconselha.

InO Jornal Económico

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