Fraude! Estamos mesmo preocupados?

Bastas vezes, depois do anúncio de fraude são elencadas as falhas dos auditores das entidades envolvidas. Mas, será que a sociedade quer mesmo que os auditores identifiquem as fraudes? Ou, na verdade, queremos apenas alguém a quem responsabilizar?

As normas internacionais de auditoria (ISA – International Standard on Auditing) abordam esta temática e preconizam que o auditor é responsável por obter uma segurança razoável de que as demonstrações financeiras, como um todo, estão isentas de distorções materiais, incluindo as resultantes de erro ou fraude.

Ora, segurança razoável não é segurança absoluta!

Não obstante o posicionamento inteligente e estratégia baseada na avaliação do risco, os auditores não testam a integralidade das transações, antes amostras dessas mesmas transações, e mesmo as ferramentas tecnológicas de análise de dados que proporcionam uma Augmented Audit, afastam a utilização de amostras para analisarem a totalidade de uma determinada população e procuram as tendências e situações de exceção, que terão posteriormente que ser analisadas e compreendido o impacto.

Por outro lado, é sabido, que a melhor forma de combater a fraude é a implementação de um ambiente ético na organização, complementado por um ambiente de controlos efetivos. Nada disto é possível sem o exemplo e implementação top-down, ou seja, sem o envolvimento e responsabilização do management e dos encarregados de governação. Quando os primeiros responsáveis por esta tarefa não a executam com propriedade, seja por omissão ou com intenção, a primeira linha defensiva passa a ser o auditor, mas não é esse o papel previsto para o auditor nas ISA.

Curiosamente, ou nem tanto, num inquérito recentemente comissionado pela Mazars (não sendo a Mazars identificada no decorrer do referido inquérito), mas executado pela Edelman Intelligence e que pode ser consultado na sua completa extensão aqui, apenas um terço dos participantes identificaram a deteção e prevenção da fraude como o resultado principal que esperavam do trabalho do auditor. Aliás, na Europa, apenas 28% das entidades que participaram no estudo referem o tema da fraude como a sua principal expectativa em relação ao trabalho dos auditores.

Assim sendo, e olhando para vários exemplos locais e internacionais, parece poder afirmar-se que estamos perante um claro exemplo de expectation gap, ou como é referido no já mencionado estudo, existe o mito de que a auditoria se dedica a identificar a fraude, mas não só o mito não corresponde à realidade, como nem os principais stakeholders o suportam.

A deteção de fraude e a investigação da mesma, exige a realização de trabalhos com âmbito, competências e processos distintos dos envolvidos nos trabalhos de auditoria financeira, e nessas circunstâncias estamos antes perante trabalho forense.

Não obstante, os auditores são responsáveis por obter uma segurança razoável de que o conjunto das demonstrações financeiras como um todo estão isentas de distorções materiais, incluindo as resultantes de erro ou fraude, repetimos. E, se nos detivermos agora um pouco no caso de Portugal, existem até deveres específicos previstos no corpo legislativo tendente ao combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Matérias importantes e relevantes, todos concordamos certamente.

Mas quando os gastos com auditoria (e de outras áreas financeiras) são considerados como custos de contexto e o mercado esmaga os honorários dos auditores, essa importância já não é tão evidente. E é aqui, neste ponto, que a questão inicial deste texto tem origem e a comunicação assume adicional relevância.

A realização de um trabalho de auditoria cumprindo com as crescentes exigências do mercado e dos diversos stakeholders, efetuado por auditores competentes, com recursos, com a experiência adequada e orientados na comunicação não é compatível com a tendência constante de pressão para reduzir honorários de auditoria. Será que estamos mesmo preocupados?