Incerteza reforça importância do sector com PRR à porta

A tendência de desmaterialização no sector vinha já de antes da pandemia e, além da aceleração vivida com a Covid-19, tem ganhado adeptos pelos ganhos de eficiência que permite. Numa profissão vista por muitos como algo monótona e repleta de procedimentos repetitivos, a realidade é que a automação e as ferramentas de processamento de dados se têm desenvolvido muito.

Com a inflação em alta e a economia global envolta em incerteza, os fundos europeus significarão mais necessidades de apoio dos contabilistas aos empresários nacionais. Ganhos de eficiência com a aceleração tecnológica dos últimos anos serão chave.

Numa altura que se esperava de forte retoma após dois anos complicados pela pandemia, a economia nacional debate-se, à semelhança do resto da zona euro, com a inflação em alta e uma incerteza a agravar as perspetivas de médio-prazo. Com os fundos europeus a chegarem em força ao nosso país e depois de um período de necessidade de apoios face à interrupção de grande parte da atividade, os empresários precisarão mais do que nunca do contacto próximo dos contabilistas, que saíram da pandemia com uma imagem reforçada.

Um sector bastante tradicional e com alguma resistência à mudança, a contabilidade viu-se obrigada, como a esmagadora maioria dos serviços, a adaptar-se rapidamente a um cenário de contactos limitados e restrições ao movimento. Numa atividade tão dependente do contacto com os clientes, os desafios foram muitos, mas alguns alicerces havia já sido lançados, quer a nível interno das empresas, quer regulatório.

Ainda sem a pandemia nas preocupações, o início de 2020 viu um importante passo na gestão da informação financeira em Portugal: a autorização de utilização de documentos em formato digital, por oposição ao antiquado papel.

Em entrevista ao JE, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) classifica esta “coincidência” como “importantíssima” e “um avanço” que evitou graves problemas na atividade.

“Se não tivesse acontecido, ainda hoje estaríamos numa situação muito complicada do ponto de vista do tratamento documental”, afirma Paula Franco.

A tendência de desmaterialização no sector vinha já de antes da pandemia e, além da aceleração vivida com a Covid-19, tem ganhado adeptos pelos ganhos de eficiência que permite. Numa profissão vista por muitos como algo monótona e repleta de procedimentos repetitivos, a realidade é que a automação e as ferramentas de processamento de dados se têm desenvolvido muito, explica Luís Batista, partner da Mazars.

“Esta evolução tecnológica tem permitido que os prestadores de serviços tenham uma cada vez maior quantidade de informação disponível, possibilitando que esta seja adaptada às diferentes necessidades dos diferentes stakeholders de uma organização, garantindo assim maior eficácia e eficiência nos serviços prestados”, refere, acrescentando que o “mundo digital está já a apoderar-se dos arquivos e processos permitindo elevados níveis de automatização ou robotização”.

“A tecnologia está a dar mais poder aos profissionais e o foco está em consolidar a qualidade e a confiança, apresentando soluções que garantam a sustentabilidade e o crescimento das organizações”, resume, referindo-se aos ganhos de eficiência que as novas ferramentas têm conferido ao sector.

Paulo Garrett, managing partner da GlobalWe, conflui na mesma opinião, reforçando que o “mercado digital não deve ser visto como um problema, mas como uma oportunidade para as consultoras melhorarem o nível de serviço aos seus clientes e de facilitar processos”, permitindo que os profissionais da área passem “a utilizar mais horas de trabalho técnico de análise e no tratamento de reporting financeiro para o cliente e menos tempo de trabalho administrativo”, onde o valor acrescentado é menor.

O responsável da GlobalWe fala mesmo numa ‘Contabilidade 4.0’, depois da evolução que viveu o sector em linha com “o mundo empresarial, [que] atravessa um momento de intensa transformação digital, onde cada vez mais as novas tecnologias, como a inteligência artificial, são aplicadas aos processos e aos negócios”. A contabilidade não poderia, por isso, ficar para trás.

Estando “na linha da frente da evolução tecnológica”, o sector consegue, segundo Vítor Vicente, diretor executivo da Contas e Resultados, apresentar “continuadamente uma tão grande evolução tecnológica nas ferramentas de trabalho como” poucos outros. É, por isso, expectável que a adoção de novos instrumentos continue nos próximos tempos.

“Tudo o que seja tecnologia de tratamento da informação contabilística, com processos de redução de tempos de execução e de erros, aumentando a informação disponível, e de arquivos digitais, trabalho remoto ou cruzamento de dados irá ser cada vez mais usado”, projeta o contabilista e diretor técnico da Contas e Resultados.

Luís Batista, da Mazars, vê sobretudo na inteligência artificial e no 5G os catalisadores de uma aceleração que “atingirá formas que só agora conseguimos começar a vislumbrar”. Ainda assim, o desenvolvimento não será igual para todos e pode aprofundar diferenças existentes no mercado.

“No entanto, é preciso ter em atenção que a tecnologia, apesar de provocar grandes mudanças, dificilmente chegará de igual forma a todas as empresas. Prevê-se que o impacto deverá ser, cada vez mais, considerável nos grandes projetos, mas menor nas organizações de dimensão reduzida”, avisa.

Por outro lado, a adoção destas tecnologias será ainda mais importante e diferenciadora em ambientes de elevada complexidade. Conseguir processar quantidades crescentes de informação será cada vez mais “de extrema importância no mundo em que o cumprimento de regras cada vez mais complexas e sofisticadas é decisivo para a competitividade e eficiência”, assegura Luís Batista.

Também a incerteza na economia global afeta o trabalho dos contabilistas certificados, especialmente num país com um tecido produtivo composto sobretudo por microempresários, frequentemente com baixa literacia financeira, e onde os problemas de solvabilidade abundam. Tiago Nunes, administrador do Grupo Nucase, lembra que “grande parte da nova geração de empresas e de gestores nunca viveu nem tem qualquer experiência de períodos de inflação tão marcantes no tecido económico”, com inflação perto da casa das dezenas e a perspetiva de subida de juros.

“A necessidade de avaliar e prever o impacto do aumento generalizado dos preços nos gastos e no valor das receitas das empresas é crucial”, sublinha, lembrando também o impacto das decisões de política monetária “na capacidade das empresas acederem a crédito e cumprirem com as suas obrigações”.

“A solvência das empresas e a continuidade dos negócios é um dos maiores desafios dos gestores e vai igualmente ser um grande desafio para os contabilistas, pela necessidade de acompanharem e fornecerem informação de gestão de forma célere à tomada de decisão das empresas”, resume.

“Os contabilistas são os principais conselheiros dos empresários todos, mas em particular dos micro, pequenos e médios empresários. Neste sentido, cabe-nos a nós a importante tarefa de perceber as ameaças, os desafios e as oportunidades que cada empresa tem neste ambiente de incerteza e de turbulência ao nível de preços, juros, cadeias logísticas, recursos humanos e clientela”, remata Vítor Vicente.

“É preciso ter em atenção que a tecnologia, apesar de provocar grandes mudanças, dificilmente chegará de igual forma a todas as empresas”, avisa Luís Batista.

InJornal Económico

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